Brasil tem o pior ranking desde 2012 em índice internacional de combate à corrupção, mas e a legislação, como fica?

Ivana David*

Falar sobre corrupção no Brasil é lutar contra os números: de acordo com a Transparência Internacional e seu IPC (Índice de Percepção da Corrupção, principal indicador de corrupção no setor público do mundo), em 2019 o Brasil manteve-se no pior patamar da série, com apenas 35 pontos. A nota é o valor mais baixo desde 2012. A escala do IPC vai de 0 a 100, com 0 como altamente corrupto e 100 como íntegro.

O combate à corrupção no Brasil, promessa do governo federal há décadas, ganhou espaço na mídia em 2014 com a Operação Lava Jato, considerada hoje a maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil. Com a diluição das denúncias, o assunto entrou em baixa, mas o Brasil continua deixando de figurar no ranking de países preocupados em nível internacional com a corrupção e seus efeitos sistêmicos na economia mundial.

Mas e a legislação? Surpreendentemente, o Brasil tem uma vasta legislação anti corrupção, mas o desconhecimento a respeito das principais leis e seu funcionamento dificulta o esclarecimento da população sobre o tema.

A Polícia Federal (PF) foi pioneira ao inaugurar a primeira Delegacia Modelo de Investigação e Análise Financeira do país. A unidade é voltada ao combate de crimes financeiros e a corrupção e faz parte da Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná. O projeto foi idealizado para que a delegacia modelo (hoje já existem várias) e institucionalizou boas práticas de investigação, com uma atuação menos burocrática e com mais integração e efetividade no uso dos recursos investigativos. As delegacias hoje possuem laboratórios em parceria com os peritos e outras áreas de inovação da PF para o desenvolvimento e emprego de novas tecnologias nas áreas de Big Data e Business Intelligence, que contribuem na velocidade e na qualidade das análises policiais nos casos complexos de repressão à corrupção, crimes financeiros e lavagem de dinheiro.

Segundo a PF, toda a expertise da corporação também visa uma padronização de ações, de conhecimento técnico, de tratamento de dados e rotinas básicas relacionadas a crimes financeiros e de corrupção. As unidades possuem capacitação e treinamento em casos reais, difusão de tecnologias, convênios e promoção de intercâmbio com as demais unidades da Polícia Federal no Brasil. Na mesma esteira, a Polícia Civil de São Paulo inaugurou ano passado o SECCOLD – Setor Especializado de Combate aos Crimes de Corrupção, Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro, também com especialização nas investigações.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o Ministério Público, como titular da ação penal, é o órgão responsável por mitigar as diferentes corrupções em território brasileiro: de acordo com a constituição, é ele que outorga competência para promover inquérito civil, requisitar informações e ajuizar ações, por exemplo. No dia 11 de novembro, o MP continuou seu trabalho nesse sentido com o lançamento da publicação “O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e as boas práticas de combate à corrupção e de gestão e governança dos Ministérios Públicos”, reunindo iniciativas bem sucedidas já implementadas no Brasil.

E como se denuncia um crime de corrupção? Pela Constituição, existem vários tipos de leis anticorrupção, pensadas tanto para indivíduos quanto empresas privadas e instituições públicas. Para indivíduos, por exemplo, temos o código penal, englobando corrupção ativa, corrupção ativa em transação comercial internacional, tráfico de influência, corrupção passiva e associação criminosa. Dentro das leis de ação civil pública para indivíduos e empresas, por exemplo, o MP pode exigir que acusados de corrupção paguem indenização por danos à sociedade.

A mesma lógica se aplica ao Código de Defesa do Consumidor, diante do quais as acusações de corrupção pagam por indenização por eventuais danos coletivos.

Além disso, a Constituição prevê leis como a dos crimes econômicos (conduta de corrupção que mexa com a ordem econômica), improbidade administrativa (proíbe enriquecimento ilícito de servidores públicos), lavagem de dinheiro, licitações (reprime fraudes em contratos de prestação de serviços a entes públicos) e a lei anticorrupção, na qual a empresa corrupta precisa reembolsar os cofres públicos.

O Brasil conta também com o reforço da ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, que lançou na última semana uma cartilha em plenária virtual definindo ações para 2021, como: criar mecanismos para compartilhamento direto de bancos de dados entre atores estatais responsáveis pela prevenção, detecção e repressão à corrupção; examinar riscos de lavagem de dinheiro com o uso de novos modelos de arranjos e instituições de pagamentos; e uso de big data e inteligência artificial contra a lavagem de dinheiro.

São muitas as leis, instituições e projetos que tentam proteger o cidadão brasileiro de esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro e terrorismo, mas o público pouco sabe sobre tais esforços e o acesso a tal tipo de informação precisa se tornar uma prioridade pública nos próximos anos. Esclarecimento é poder, e indivíduos e empresas que possuem acesso à informação legislativa de qualidade são capazes de cobrar iniciativas do governo federal cada vez mais sofisticadas e que façam o Brasil retornar ao ranking de países preocupados com o tema a nível internacional.

*Ivana David, juíza substituta em 2.º grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, especialista em Teoria da Prova no Processo Penal. Ingressou na Magistratura Bandeirante em 1990, atualmente integra a 4.ª Câmara de Direito Criminal e a 12.ª Câmara Criminal Extraordinária. É integrante do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro à distância (PNLD-EAD) do Ministério da Justiça e Segurança Pública

 
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