Questões Não Faladas Sobre a Reforma da Previdência

Rogério de Souza Luz

ONDE ESTAVA O DÉFICIT?

O déficit da Previdência não apareceu do dia pra noite, apesar de que, enquanto se pensava em Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil, nenhum jornalista falava dele como agora, mas já estava lá.

Em 2014, ano da Copa, ele era de 123 bilhões de reais;

Em 2016, ano das Olimpíadas, 230 bilhões.

Por que esses profissionais de mídia escatológicos, que agora vociferam pela Reforma da Previdência, não falavam disso naquela época?

Por que ninguém ponderou: “Não podemos fazer grandes eventos com um déficit da Previdência desse tamanho!”

Nós sabemos o porquê. É que a receita dos conglomerados de mídia simplesmente dobrou durante esses eventos.

PEJOTIZAÇÃO

A maioria desses profissionais que elegeram o funcionário público como bode expiatório não recolhe um centavo para a previdência pública, através da pejotização, que nada mais é que uma burla ao regime de repartição previdenciária, justamente por empresas de maior receita no País. Sabemos que há profissionais de mídia que recebem salários astronômicos, na casa de milhões. Justamente esses, que poderiam ajudar a equilibrar o regime, contribuindo a título de empregado, além da contribuição da empresa como empregadora, é que defendem o aumento da alíquota do servidor público!

É um típico caso de moralismo tupiniquim, profissionais de megaconglomerados de mídia que pagam até 50 milhões mensais de salário a um único profissional e não contribuem para o sistema, propagandeando que servidores que ganham mais de R$ 5.000,00 são ricos e privilegiados (tá bom né…).

O SERVIDOR PÚBLICO COMO BODE

Os antigos hebreus tinham o costume de abandonar um bode no deserto para assim expiar os pecados da comunidade. A história da humanidade é repleta de bodes expiatórios, como os cristãos que levaram a culpa por atear fogo em Roma; mas nenhum outro exemplo é tão claro como os dos judeus na Alemanha nazista. Até hoje o mundo se indaga, como pôde uma nação culta e esclarecida como a Alemanha, em pleno século XX, atribuir a uma etnia a culpa por seus problemas?! Pois é, mas volta e meia, os governos, aqui e alhures, usam esse expediente, e a receita é bem simples:

Havendo um problema de difícil solução, encontre um grupo como culpado, distraia a atenção do povo das reais causas, e em seguida entre com propaganda massiva.

É exatamente o que o governo, juntamente com a mídia e o mercado financeiro (que no fim é quem banca a ambos) está fazendo agora.

Escolheram o servidor público de carreira como bode expiatório! O fato é que o aumento de alíquota do servidor não é só injusto e imoral, mas ilógico.

Não há de se falar em quem ganha mais deve contribuir mais, porque “isso já ocorre, é questão de pura matemática”.

As alíquotas são estabelecidas em percentuais e não em números absolutos.

Será que não dá pra entender que quem contribui com 11% sobre um salário de 20.000 (R$ 2.100,00) contribui mais do que quem paga 11% sobre 1000 (R$ 110,00)?

Estabelecer alíquota progressiva é penalizar quem se esforçou mais, na medida de sua aptidão, e não detém qualquer responsabilidade sobre o déficit da previdência, além de não resolver o problema. Isso, além de enfraquecer as instituições que garantem os recursos do orçamento, incluindo a própria seguridade social, e assim conferem o mínimo de estabilidade ao país.

D’outra forma, gostaria de ver algum parlamentar propor uma emenda para instituir uma alíquota sobre a verba de gabinete de 100.000 reais.

Outra falácia é que o servidor público tem aposentadoria maior, portanto é culpado pelo déficit; porém ninguém aduz que esse mesmo servidor, ao contrário da iniciativa privada, continua pagando o mesmo valor de contribuição, mesmo após aposentado. Ou seja, se ele se aposenta aos 55 anos, após contribuir com 30 ou 35, e vive até 80, então ele contribuiu 60 anos para o sistema.

Sem falar que servidor não tem FGTS, horas extras, etc., além do que, algo que incomoda dizer, mas o servidor público, não sonega, uma vez que já tem os valores de suas contribuições descontadas em folha!

OS BANCOS E A CAPITALIZAÇÃO

O sistema bancário é controlado por apenas 04 instituições, sendo uma empresa pública e 3 privadas: Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander. O lucro conjunto dessas foi de 69 bilhões no último ano. Quanto às instituições privadas, nenhum centavo será recolhido para a previdência, além do que, segundo levantamentos, as 3 instituições deveriam mais de 900 bi a previdência, http://www.bancariosdeguarulhos.com.br/bancos-estao-na-lista-dos-maiores-devedores-da-previdencia/

Apesar disso, há uma pressão capitaneada por essas mesmas instituições, pela reforma da previdência e instituição do chamado regime de capitalização. Isso por um motivo bem simples. Estima-se que o Brasil tenha cerca de 12 milhões de servidores nas esferas federal, estadual e municipal.

Quem você acha que o servidor vai procurar pra fazer uma previdência complementar? O Bradesco ou uma cooperativa de crédito da esquina?

Amigo, o dinheiro vai jorrar feito água na montanha! É por isso que lá em wall street dizem: “O dinheiro nunca dorme!”

Não se esqueça que essas megainstituições são as maiores anunciantes da mídia!

Você sabe quanto custa 01 minuto no intervalo do telejornal?

Desta feita, querem instituir um regime que no Chile já provocou diversos suicídios de aposentados idosos, isso porque a capitalização não garantiu nem 40% do salário mínimo. Por isso, que a maioria dos países que passaram à capitalização, agora estão fazendo a reforma da reforma e voltando ao regime anterior de repartição. Você não precisa acreditar em mim, mas pode conferir o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/05/28/reforma-previdencia-capitalizacao-estudo-oit.htm

No regime de capitalização, em resumo, o banco pega seu dinheiro e aplica, se houver ganhos, ele ganha também; no entanto, se houver perdas, que são inerentes aos riscos de mercado, somente você arca com elas, porque o banco já retira a parte dele ( taxa de administração, etc.) nas contribuições iniciais.

É simples: O banco sempre ganha, mas só você perde!

DE QUEM É A CONTA?

Nos últimos 10 anos o governo federal retirou cerca de 600 bi, via DRU (desvinculação das receitas da União), da previdência social;

A título de incentivo, renúncia fiscal anistia, perdão, ou seja, lá como você preferir chamar, foram mais de1 trilhão, 800 bilhões somente de 2015 a 2018.

Segundo a imprensa, as empresas do deputado relator da MP 783 (último REFIS) possuíam dívidas de 51 milhões.

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,relator-do-refis-e-socio-de-empresas-que-devem-r-51-milhoes,70001895471

ONDE ESTAVA O LEGISLATIVO?

Todas essas renúncias fiscais devem ser aprovadas pelo legislativo;

Ocorre que, segundo levantamento da BBC, as empresas dos atuais parlamentares estão entre os maiores devedores, somando 487 milhões em dívidas https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48069712.

MILITARES

Os militares respondem por aproximadamente 50% do déficit público. Segundo informações do Ministério da Defesa, o Brasil tem cerca de 359 000 militares, sendo o efetivo máximo autorizado por lei em torno de 440.000.

Relembrando que não entramos em uma guerra há 75 anos. O Brasil efetivamente ingressou na 2ª Guerra em 1944, quando Getúlio Vargas resolveu enviar um efetivo de 25.000 homens e que teve 471 baixas. Todos os que lutaram são heróis de guerra e merecem toda a comenda, isso é inegável!

Mas somente a título de exemplo, 16 milhões de americanos serviram nas Forças Armadas dos Estados Unidos, com mais de 405 mil mortos em combate e mais de 671 mil feridos. O país gastou 75 % PIBE; seriam 3,5 trilhões em valores atuais.

36 milhões de pessoas morreram na Europa, sendo 27 milhões de soviéticos.

Com todo respeito que nossos heróis merecem (e não têm culpa pelas decisões políticas); porém convenhamos, a participação do Brasil na 2ª Guerra foi pra “inglês ver” e não fez a menor diferença em termos militares. A nossa grande glória militar mesmo é a guerra do Paraguai, de 1870, portanto há150 anos atrás.

Atualmente, o número de baixas de militares das 3 forças, se comparado ao de policiais, são quase inexistentes. Pra se ter ideia, em 26 anos de intervenções no RJ, morreram 4 militares, sendo 3 num único dia desse ano. Sendo que “há 45 anos, não se registrava baixas de militares em locais distintos em um único dia”.

https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/rio-ja-tem-o-maior-n-de-militares-do-exercito-mortos-em-intervencoes-28092018

Por outro lado, quanto aos policiais, nos últimos 20 anos, foram quase 10.000 mortes em serviço ou em razão dele no país.

https://aopm.com.br/nos-somos-o-brasil-que-mais-mata-policiais-no-mundo-o-brasil-vive-uma-guerra-civil-do-crime-e-da-impunidade-que-devastam-o-pais/

Apesar disso, a reforma simplesmente dobra os gastos militares, com uma coisa chamada reestruturação, que prevê um aumento de gastos de quase 90 bilhões! Isso num sistema falido, do qual se quer combater o déficit. Dá pra entender?

APOSENTADORIA POLICIAL

O direito à segurança é princípio basilar da República. art. 5º da Constituição.

O Estado deve garantir a segurança, tanto de empresas e investidores, quanto do cidadão comum que vai trabalhar ou levar o filho pra escola.

O interesse em uma previdência equilibrada deve ser conjugado com segurança pública eficiente. É justo e producente, que a sociedade pague pela aposentadoria precoce de quem sofre mais riscos. Isso acontece no mundo inteiro.

Não há crescimento ou sociedade próspera sem segurança.

O atual Presidente é fã de Donald Trump. Ele e seus correligionários, inclusive seus filhos, passaram a campanha inteira usando os EUA como modelo, inclusive de segurança pública.

Logo, devem saber que, na maioria dos estados americanos, um policial se aposenta, em média com 20 anos de serviço, sem limite de idade.

NY 20 anos; Miami 22 anos.

Canadá 20 anos sem idade mínima

Inglaterra 25 anos de serviço

França 27 anos

Chile 20 anos de serviço.

O CUSTO BRASIL

No âmbito do poder executivo federal, as empresas e fundações estatais custam em torno de 15 a 20 bilhões por ano. Os chamados cargos comissionados, que nesse momento ultrapassam a inacreditável marca de 100.000, custam em torno de 3,5 bilhões ao ano [1]. Como é notório, essa prática é replicada no âmbito dos estados federados e dos municípios.

O custo total parlamentar do Estado brasileiro supera os 30 bilhões de reais anuais. O congresso nacional tem orçamento previsto de 10, 5 bilhões para 2018, sendo que cada parlamentar custa cerca de 179.000 mensais, incluindo salário e verbas extras. Em números absolutos é o segundo congresso mais caro do planeta, ficando atrás apenas dos EUA. Nos estados a situação não é diferente, as 27 assembleias legislativas têm gastos anuais superiores a 14 bilhões, incluindo os tribunais de contas a elas vinculados.

Nos municípios, os gastos apenas com os vereadores superam os 10 bilhões, isso segundo estimativas do tesouro nacional, já que há um verdadeiro descontrole em se apurar os gastos reais das câmaras municipais. Levantamentos recentes mostram que cerca de 30% das câmaras municipais simplesmente não divulgam seus gastos [2], bem como, em todas as regiões do país há uma enorme dificuldade em se apurar o total de benefícios pagos a cada vereador [3].

O Brasil tem cerca de 57.000 vereadores nos seus atuais 5.570 municípios. A grande contradição dessa conta é que cerca de 90% desses municípios tem uma população inferior a 55.000 pessoas, além do que, grande parte desses municípios sequer conta com arrecadação suficiente para sustentar uma câmara legislativa.

Ocorre que nesses municípios, as casas dos edis são integralmente mantidas pela verba destinada ao fundo de participação dos municípios, previsto no art. 159 I, b da CR/88. Assim, saiba que quando eu e você pagamos impostos, incluindo o Imposto de renda, parte desse dinheiro estará sendo usado para pagar, sabe-se lá quanto, a um vereador, sabe-se lá em que município desse país.

CONCLUSÃO

Não pense que eu ou qualquer outro policial ou servidor não trabalharia até os 80 anos, se cresse que esse realmente é o caminho necessário para resolver os problemas do país, mas nós sabemos que não é!

Já ouvimos isso antes, na copa, nas olimpíadas… O Brasil vai ser o maior país do mundo, os eventos vão deixar um legado…. (cadê?)

Depois com o Pré-sal. Como a Dilma dizia mesmo? Ah, “o pré-sal é nosso passaporte para o futuro”!

Agora dizem que reforma da previdência vai trazer 2 trilhões em 10 anos e resolver tudo; e ao contrário, o apocalipse se não aprová-la em 6 meses.

Vamos falar sério? Se queremos mesmo fazer uma reforma, comecemos pelos poderes.

Vamos começar reduzindo o número de parlamentares e a verba do congresso, das assembleias estaduais e das câmaras em 20 vezes. Vamos reformar a federação e aceitar apenas municípios com mais de 100.000 habitantes.

Vamos reduzir o contingente totalmente anacrônico e desnecessário de militares, bem como o seu gigantesco orçamento. O Brasil definitivamente não precisa de 330.000 militares e nem há ocupação ou utilidade pra isso, podemos perfeitamente sobreviver com 50.000 militares profissionais e bem treinados.

Vamos acabar de vez por todas com a pejotização e trazer todos para um único regime.

Vamos instituir contribuições previdenciárias sobre lucros e dividendos bancários, bem como sobre grandes fortunas.

Vamos rever todos os refis e cobrar de quem deve e pode pagar.

E enfim, vamos combater a corrupção e a sonegação, dar autonomia e equipar as polícias judiciárias e o fisco; senão pode economizar 100 trilhões, podem achar minas de ouro e rios de diamantes embaixo de cada cidade, que no fim das contas amigo, não sobra nada pro povo.

Depois disso, se ainda persistir o déficit, eu trabalho até os 80 anos.

[1] https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/oab-entra-com-acao-para-limitar-cargos-comissionados-que-chegam-a-100-mil-7rlxbolxuk8ygcomlqnfjfjv0

[2] http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/jcnegocios/2017/08/29/estudo-mostras-situacao-de-descontrole-de-gastros-das-camaras-municipais-em-todo-o-brasil/

[3] – https://www.i9treinamentos.com/saiba-quanto-o-brasil-gasta-por-ano-com-vereadores/

Rogério de Souza Luz
Delegado de Polícia Federal na ativa, 24 anos de atividade policial

 
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